quarta-feira, 24 de julho de 2019

Col d ' Izoard : " uma visão atual do inferno"

….” Uma versão atual do inferno “.
 
Foi deste modo que Jacques Goddet, diretor do Tour de France de 1936 a 1988, batizou os 2360m do col du Izoard. A verdade é que esta descrição não está muito longe da realidade.

 O col d’ Izoard está localizado nos Alpes franceses no departamento dos Hautes Alpes. Faz parte da família dos “ monstros sagrados “ do ciclismo  sendo ultrapassado várias vezes nas duas voltas mais importantes:  O Tour de France e o Giro de Itália.
A primeira vez em 1922 pelo belga Phillippe Thys, triplo vencedor do Tour, mas no Izoard quase todos os grandes nomes foram consagrados: Bartali, Robic, Coppi, Bobet, Bahamontes, Merckx e Pantani escreveram o seu nome em La Casse Déserte, zona final do Izoard conhecida pelo seu aspeto árido, com pontas rochosas de cor sépia, onde o calor é sufocante e o vento sopra sem piedade. Há lugar a visões lunáticas ou como disse Goddet:  visões do que é o inferno.

Col d' Izoard - La Casse Déserte

O Col d´Izoard foi palco das mais brilhantes historias do ciclismo.

No Tour de  1938, Gino Bartali distorceu de alguma forma esta visão aterradora da La Casse Déserte. No cume do Izoard a sua vantagem era tão grande para os seus rivais que Bartali mostrava alguns sinais de aborrecimento. Ao olhar para as curvas uns kilometros abaixo viu dois pontos coloridos que lhe pareceram os seus perseguidores: Mario Vici e o luxemburguês Mathias Clemens. Bartali , parou, olhou para eles, levantou o braço para os saudar e começou a gritar : “ força , está quase no fim ….força “ . Mas ninguém conseguiu chegar-se perto do italiano que ganhou a etapa em Briançon e o Tour de 1938.
Gino Bartali , Col d' Izoard , Tour 1938
 
Onze anos depois , em 1949 , desta vez no Giro de Itália o col d’ Izoard foi o palco principal da maior e mais brilhante fuga de todos os tempos. A etapa ligava Cuneo a Pinerolo e percorria as principais montanhas alpinas num verdadeiro desafio á capacidade e resistência humana. Logo no inicio Fausto Coppi atacou a corrida no Col de la Madeleine a cerca de 192km da meta . Sozinho passou pelo col du Vars, Sestriere, Montegenévre. Atras de si, também sozinho corria o “velho” Bartali numa perseguição desumana com a cara cheia de lama, de boca aberta e com sinais de desfalecer. Não conseguiu alcançar Coppi que chegou sozinho ás terríveis rampas finais em La Casse Déserte. Este episódio ficará para sempre no relato de Mauro Ferreti. A emissão radiofónica parou e Ferreti descreveu a corrida com a frase que ficou conhecida como uma das mais famosas do ciclismo e do desporto italiano até os dias de hoje e não precisa de tradução , é universal :

“ un uomo solo é al comando, la sua maglia é bianco-celeste, il suo nome é Fausto Coppi “

Il Campionissimo Fausto Coppi ficou para sempre imortalizado no Col d’Izoard. Foi descrito como um rato na montanha e os espectadores juraram que o italiano flutuava em Casse Déserte desafiando as leis da gravidade.
Fausto Coppi , Giro 1949 na sua fuga de mais de 192km
 
Nesse mesmo ano de 1949 o mesmo Izoard e os mesmos protagonistas: Coppi e Bartali, os velhos inimigos . Desda vez no Tour de France. Coppi dominava por completo a corrida e seguia sozinho com Bartali no Izoard. Antes de entrar em Casse Déserte Coppi acelera e Bartali fica para trás. Bartali começa a gritar para Coppi esperar e o jovem italiano cedeu a esse pedido. Mas Bartali não ficou por ai e a sua ousadia subiu de tom: 

“Fausto deixa-me ganhar esta etapa. Eu estou velho e faço hoje 35 anos. Amanha ganharás muito mais tempo e ficas de amarelo. Eu nunca mais vou ganhar nada e tu ganharás os Tour ´s que quiseres. “

Coppi abrandou , deixou  Bartali chegar-se perto de si e os dois cruzaram o Izoard. Na meta em Briançon Bartali entra em primeiro lugar na curva final e ganha a etapa. Reconhecendo o gesto, abraçou Coppi de uma forma vigorosa e agradeceu-lhe a prenda pelos seus 35 anos.
 
Tour de France 1949: Coppi e Bartali em Casse Déserte
 
Também o francês Louis Bobet, vencedor do Tour de 1953, 54, 55, teve as suas mais brilhantes vitórias passando pelo Col d’ Izoard. Bobet chegou mesmo a afirmar: “ Os grandes campeões tem de passar sozinhos pela Casse Déserte .” Ele conseguiu várias vezes.

Pantani e Armstrong 2000: Izoard
Aos poucos o Col d’ Izoard tem perdido protagonismo quer no Tour quer no Giro. Por exemplo o melhor ciclista de todos os tempos , Eddy Merckx só ali passou no Tour de 1972 . Já mais tarde , Marco Pantani no Giro de 2000 revive as jornadas épicas de Coppi e Bartali . Mas também é nesse ano que o Izoard ficará gravado na memória do italiano . É ali que foi atacado por Lance  Armstrong chegando a dizer que era ele que “ queria dar uma abada” no americano . Alguns apontam esta etapa como simbolo do cocktail tóxico que atingiria o génio do Pirata Pantani e o derrubou em 2004.

Apesar das suas 26 "participações" no Tour de France apenas por uma ocasião o Col d´Izoard recebeu uma chegada de etapa. Foi em 2017 com uma brilhante vitória de Warren Barguil .  

Tal como todas as montanhas mais conhecidas das grandes voltas , o Col d’ Izoard também é lugar de paragem obrigatória para os amantes do ciclismo e por todos aqueles que querem reviver de alguma forma estas historias da subida alpina.

O Izoard pode ser consquistado por 2 vertentes: 
 Desde Briançon
Distância: 19,1km
Desnível: 1176m
Média: 6%
Máxima: 11%
Col d´Izoard por Briançon
Desde Guillestre
Distância: 34,3km
Desnível: 1538m
Média: 4,3%
Máxima: 11,5%
Col D´Izoard por Guillestre
 

 
 
Boas pedaladas
AT

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